quinta-feira, 20 de agosto de 2009

quando as luzes podem adormecer

às vezes tenho impressão de que quando a vida é bem vivida, quando não é uma vida às meias, fingida, interpretada, uma vida mentirosa, quando a vida faz valer seu nome, às vezes tenho a impressão de que quando a vida é vida, enfim, ela é sempre iluminada, seja de que luz for.

Pode ser a luz branca do hospital, a luz da sala, a luz do banheiro escuro, a luz da luminária nova, a luz da manhã,a luz da nossa cidade, a luz negra, a luz branca, a luz sem nome. A vida tem forma, e contorno, e sombra, e luz.
A luz do mês de setembro, a luz que já foi, o fato é que - como se fossem transístores movidos à vida - as luzes estão lá. E continuam vivas, acesas piscando e iluminando a vida, as experiências, o que fui e o que vivi.

e às vezes, às vezes, numas dessas curvas de esquina, bem chatas e ruins, as luzes têm que adormecer, se apagar, ficar quietas e parar de iluminar os sonhos.


porque elas já foram. e não são mais.

perduram porque o caminho é longo, mas a fonte já se apagou.

e o que as sustentam é a memória do que um dia já foram,e a luz persiste, querendo vingar.


mas a vida não é a luz das estrelas já mortas.
e, às vezes, a gente tem que deixar as estrelas dormirem.

que triste.


eu vou ser mais específica, porque eu odeio metáforas.

a gente vai lá e vive uma coisa linda, uma coisa que faz sentido, e isso é o bastante. às vezes a gente vai lá e vive uma coisa que faz muito sentido e isso é mais que o bastante, isso é brilho de estrela .

mas aí sei lá o que acontece, muita coisa acontece, e o sentido fica sem sentido. aquilo que outrora se encaixava tão bem, tão certo, tão sem atrito, fica pedindo para dar certo. E se pede, é porque já não dá.

e aquele belo holofote, ou aquela bela luz de lamparina lua, sol, lanterna, qualquer uma, que me iluminava, e iluminava mesmo a vida, é a memória do que já foi um dia.

e é duro, difícil, dizer adeus.

mas as vezes,as luzes precisam adormecer,e a gente precisa saber que acabou.

mesmo que isso me signifique um céu sem estrelas.


e é uma droga.





e me desculpem pelo post brega.

mas é que, às vezes, o amor é assim.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

a porca da gripe

O problema da porca da gripe é que vêm uns calafrios no corpo, dor nas juntas e dor de cabeça e você já se pega pensando que é isso, é o fim de tudo, tchau.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

tristeza e consciência

- sua tristeza é consciência - ele disse.
- consciência do quê? - perguntei, voz de criança e chorando.
- da irrealidade das coisas, da irrealidade das pessoas, suas vergonhas, seus teatros. você tem que assumir a sua consciência.
- e ficar sempre triste?
- um pouco.
- ...

sexta-feira, 12 de junho de 2009

controle e descontrole

algumas coisas a gente controla, outras, descontrola. Óbvio. Precisa ser muito psicopata para achar que controla tudo nesse mundo.

A gente não controla os outros, por exemplo. O amor e desamor do outro, o trânsito, o motorista bêbado, o mendigo da esquina, a menstruação que vem sem aviso. Não controla o amigo, a amiga, o marido da amiga, a mulher do amigo. Não controla nem pai nem mãe, e provavelmente controla bem pouco os filhos. Não controla a memória, não controla o coração, não controla o que diz e, às vezes,nem o que faz. Não controla o que sente ou o que deixa de sentir. não controla o tempo, nem o passado nem o futuro, e o presente, tenho impressão, é como os filhos, provavelmente a gente controla bem pouco o presente também.

As coisas nascem, morrem e crescem, ou em ordem inversa e até aí grande novidade. Precisa ser muito psicopata para achar que controla tudo nesse mundo . Mas, às vezes, de vez em quando, dá tanta, mas tanta vontade de poder dar uma controladinha nas coisas...

segunda-feira, 16 de março de 2009

a vida anda

Quais são os indícios de mudanças? A gente vai e vive os dias e de repente se dá conta de que algo mudou, de fato e de maneira profunda, que a vida já não é mais a mesma de um tempo atrás.

O Alex fala que a namorada virou namorada-mesmo, quando o porteiro já não interfonava para avisar que ela estava subindo. Eu passei a dar aulas-mesmo, senti-me uma professora de verdade, quando não precisava ficar lendo tudo o que havia preparado e sabia o que tinha que dizer, pelo coração e pelo saber.

Um dia, a calça muda de tamanho, e você passa a usar uma numeração maior ou menor. Um dia você acorda e se dá conta de que os fios de cabelo estão definitivamente brancos demais e passa a pintar os cabelos. Um dia você percebe que não consegue mais dormir sem antes ter falado com o alguém. Os móveis mudam, as pessoas envelhecem, os sentimentos envelhecem, os sentimentos mudam, casais separam-se e amigos tão próximos tornam-se distantes.

São estranhas as mudanças da vida. A gente vive no presente e ele parece sempre eterno. Quando a gente gosta de alguém, não tem essa de imaginar que algum dia esse sentimento pode mudar, que tudo aquilo que significa tanto àquela hora algum dia não significará mais nada, ou será apenas uma lembrança de uma época que já passou. É muito estranho lidar com os novos territórios que a vida traz, se readaptar, e se reconhecer novamente, a cada nova mudança, seja da cor de cabelo, do jeans da calça, dos amigos que agora são pais, de um coração que não é mais o mesmo. Eu vivo me surpreendendo comigo mesma.

Ontem havia um novo homem tomando café da manhã de domingo na minha casa. Um ritual tantas vezes repetido,do domingo de manhã, da saída para a compra dos jornais, do pão, da música, do café da manhã lento. Um momento sempre bom e de extrema intimidade. Olhei para ele e nele vi os outros homens ( não são tantos, são bem poucos) que estiveram ali, naquela situação, do domingo preguiçoso de manhã, do café da manhã sem pressa e bom, de tanta intimidade.

Olhei e pensei: a casa é a mesma, eu sou a mesma, e é tudo tão diferente. Para onde foram, todos os outros futuros, todos os outros domingos?

E me deu uma melancolia porque me deu uma sensação muito forte de que de fato os momentos passam, que mesmo aquilo que a gente achava que ia durar muito não dura tanto assim, e eu - mesmo feliz e inteira ali naquele momento - senti saudades de muitos cafés da manhã passados. E de quem eu fui em cada um deles. Saudades e um enorme amor, muitos enormes amores. E esse novo homem, paciente, ouviu minhas histórias, me abraçou, e um novo domingo se fez. De novo e sempre.Sempre.

ai, ai...

segunda-feira, 2 de março de 2009

uma semana

em primeiro lugar, quero agradecer muito a todos os comentaristas do post anterior. Lá eu havia dito que escrevo aqui para que ninguém leia. Que é um exercício-diário-contra-a-loucura. É mentira. Óbvio. Escrevo na esperança que uma pessoa me Leia. Não uma pessoa específica, mas uma uma pessoa aí, por aí.
Fazer uma diferença na vida de alguém é para mim uma felicidade. E uma necessidade.

Isso é uma justificativa da existência: fazer alguma diferença em algum dia de alguém.

É claro que eu também sou imbuída dos ideais que dizem assim que eu tenho que fazer uma diferença no meu dia, por mim e de mim e para mim.

Que para minha vida, o dia, cada dia, tem que ter Sido. Uma ousadia, uma diferença, algo que o fez valer e valer a pena de ter sido ser vivido. De mim, para mim, e "ninguém nunca soube...." e tudo bem, ninguém nunca precisa saber.

Sim, esse é meu mote também, mas confesso que quando sei que meu dia pode ter modificado o dia de alguém... seja pela minha beleza - que alguém viu, àquela hora, ali, e parou para ver e isso modificou o dia desse alguém -
seja por alguma coisa que eu disse - e alguém ouviu, e parou para ouvir, e isso ecoou na cabeça de alguém e isso modificou o dia de alguém....
seja por um gesto meu, que seja só meu - só e somente meu - , e que alguém viu, e enxergou, e reconheceu como meu, e só meu, e catalogou, e parou e reparou, no jeito que eu ando, no jeito que eu mexo minhas mãos, no jeito que eu sorrio, e alguém me viu, e parou para ver, isso já valeu o dia para mim.


e por isso queria agradecer às pessoas que comentaram meu último post.
voces valeram uma semana para mim.

nem ia escrever isso.

mas escrevi.
depois explico.

obrigada.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

o choro dos alunos

atenção: o texto foi revisado e agora está um pouco melhor. : )

Ser professor é lidar com a dor dos alunos.

Quanto mais novo for o aluno, mais a dor é explícita. Quanto mais velho, mais escondida, dissimulada, mas a dor vem e se não veio nunca, ouso dizer que a tarefa do professor foi falha.

Pode ser a dor da descoberta de um limite, pode ser a dor da regra que não se quebra, a dor de um novo conhecimento que coloca em questão todo o mundo tal como era conhecido, a dor que implica atingir e ultrapassar um limite.A dor de ir para a escola, a dor de tirar uma nota baixa, a dor de um amigo que diz uma coisa ruim... O aprendizado é uma delícia, e uma das medidas da felicidade é ultrapassar nossos limites e alcançar novas alturas, mas isso não acontece sem dor.
Se foi sem dor, não foi.

Eu dou aula para crianças, da antiga quinta série, hoje sexto ano. Crianças que estão chegando ao curso ginasial e enfrentam um monte de medos novos e um monte de desafios. Uma aula típica do sexto ano é assim:
Você começa a escrever na lousa.
Quinze pessoinhas levantam a mão, ou começam a falar mesmo, sem levantar a mão nem nada:
- é para copiar?
você responde o que até então parecia óbvio:
- sim.
você vira de volta para a lousa, e novas mãos se levantam:
- pode copiar de lápis?
você responde, dura:
- não.
Uma aluna começa a sofrer:
- mas eu já comecei a copiar a lápis!!! E agora??? vou ter que apagar tudo? passar a caneta por cima? começar tudo de novo? vou tirar um zero?
você, que só queria saber de ensinar o que são substantivos, só isso, respira fundo e responde:
- é para copiar, e à caneta. Se você começou com lápis, continue à caneta e depois você passa a caneta por cima do que foi escrito a lápis e fica tudo bem.
Mais mãos se levantam:
- Mas se eu copiar à caneta eu vou errar, e aí? O que eu faço????
- Você passa um risco em cima do que errou e pronto, continua escrevendo.
e, pobre de você, professor, acha que agora a aula pode começar e você pode falar do processo de nomeação das coisas do mundo. que nada...
- e pode usar branquinho?
- pode.
- Mas eu não trouxe branquinho...
- coloca o branquinho depois...
- mas minha mãe...
Quando colocam a mãe no meio o professor sabe que é a hora de parar de dar ouvidos às questões existenciais dos alunos:
- Não em interessa sua mãe. Copie. à caneta. Pronto. Vamos lá.
É isso, todos os dias, por uns dois meses.

Hoje todos tinham que entregar o caderno de gramática. E havia matérias para passar a limpo, do ano passado. Quando começo a falar que hoje é o dia da entrega, vejo uma aluna chorando. O queixo da bichinha tremia. Os olhos cheios d´água. Ela era a aluna mais responsável da classe. Estava a um minuto de se desmanchar em lágrimas.
Ignorei.
Segui com a aula.
No fim, chamei a garota:
- Me conta, o que aconteceu?
Logo vem uma amiga atrás, esbaforida, mais bagunçada, mais esquecida, e começa a me explicar:
- deixa eu falar antes!! É que ela - a menina que segurava o choro até agora - me emprestou o caderno dela, que estava completo, para eu copiar. Eu me enganei e achei que era para entregar amanhã, e não trouxe... Nem o caderno dela, nem o meu... Mas a culpa é minha!! E agora, ela vai ficar com z?

Quem for homem, independente do sexo, que me responda:
o que fazer?

Logo todas as questões morais e éticas aprendidas nos cursos da universidades passam pela cabeça. Democracia é tratar todos iguais. Havia um prazo. O fato é que o caderno da chorona não foi entregue no prazo . quem não entrega o caderno no prazo leva z. E eu vi o olho da menina. Aflita. Angustiada. E a aflição da amiga esquecida. Ai meu deus.

Inventei uma solução maluca, pois ali na hora da aula, quero ver quem consegue ser Salomão:
- então, você que esqueceu os cadernos, fica com as duas punições: dela e a sua. Ao invés de eu abaixar um conceito de cada uma pelo atraso, eu abaixo dois seus.
- Então se eu tirar A eu vou ficar com C?
- Sim.
- A minha maior nota vai ser C?
- Sim, mas a Isa fica com A. Tchau.

Fui embora, bem incerta da minha decisão. Eu heim? Coisa mais difícil que é ser professora.

Passa um tempo, o dia acaba, e a menina que esqueceu os cadernos vem me procurar:

- Lu!!! Amanhã eu não venho na escola! Vou viajar, já está marcado! Meus pais que marcaram... como vou poder entregar os cadernos??
Quase respirei aliviada. Aquela era mais fácil:
- esse problema é seu. Se os cadernos não estiverem aqui amanhã, as duas ficam com z.
e a menina foi embora para casa, aflita.

E hoje também conversei com uma ex aluna minha, que foi minha aluna por três anos, e agora está no colegial. Ela havia me escrito um recado no orkut dizendo assim:
- Eu não aguento de saudades de você.

Peguei a moça pelo cangote e falei:
- hoje você vai almoçar comigo. e para levar uma bronca.
Depois do meu blá blá blá falando que ela tinha que crescer, se desprender do ginásio, curtir os novos professores e amigos, e etc ela começou a falar:
- lu,eu não sou de chorar, mas eu estou chorando no meio das aulas. Eu olho para os lados e vejo que das trinta pessoas da classe eu só conheço sete. Só sete!!!Eu começo a chorar. Como eu vou viver num mundo assim? E quando eu for para a faculdade então? Aí que eu não vou conhecer ninguém!! Socorro lu, me ajuda.

Sorri, mudei de assunto e começamos a conversar sobre a vida:
- E sua mãe? como está?
- Minha mãe tá bem, o problema é ela comigo.
- Como assim?
- eu sempre fui muito ligada a minha mãe, a gente sempre foi muito próxima, mas ela me proíbe de voltar para casa sozinha. Eu moro do lado da escola, poderia ir andando, e nessas, poderia fazer os programas que o pessoal faz depois da escola, mas ela não deixa. sabe, é chato. Quando ela não vem me pegar, eu tenho que esperar um irmão meu vir, e é super chato, sabe? Eu queria que minha mãe deixasse eu andar sozinha pelas ruas...
Contive meu riso, pois aquela era a menina que reclamava porque na classe dela de trinta pessoas, ela só conhecia sete.
Continuamos conversando...e o Paulo?
- Nos separamos, lu. Sabe, a gente nunca tinha assumido nosso namoro, porque... sabe? Tinha um monte de casalzinho da classe que começava a namorar, e falava para todo mundo e depois de duas semanas estava brigado. Então a gente nunca falou assim: estamos namorando. Mas a gente sempre conversou sobre a gente. E agora...

continuamos a falar, sobre banalidades, sobre a aula de teatro que estava acontecendo no pátio, sobre outras coisas. De repente, ela pergunta:
- Lu, quando você se separou, como é que foi?
- Como é que foi o quê?
- O que você faz com tudo o que você sentia e agora não sente mais? O que você faz? Para onde vai tudo o que aconteceu e que você viveu? Onde ficam essas coisas?

e eu respondi que eu não sabia. Mas achava que essas coisas ficavam na gente, como uma memória feliz de um curso ginasial familiar que depois, quando a gente vai para o colegial, não existe mais. Que a gente tinha que aprender, reaprender, a viver no agora, nesse novo mundo.
E é difícil isso, porque a gente tem que se reaprender, se reconhecer, mas que é assim, não tem jeito, as coisas mudam, e é assim e é até bom, porque sofrimento significa mudança, crescimento, e é bom que as coisas não fiquem sempre do mesmo jeito.

Ela me olhou, pouco convencida.
Acho que eu estava pouco convencida também, mas ao mesmo tempo estava muito convencida de mais coisas do que ela. E pensei: esse é meu papel. Não ligar tanto para essa dor, e mandá-la seguir em frente, sozinha, porque é isso que é a verdadeira educação.

é duro, e bom, lidar com o choro dos alunos. quando a gente cresce, parece que a gente chora menos. Não sei porque, já que as dores continuam ali. E eu queria levantar a mão e que alguém me dissesse, agora, se o traçado da vida é a lápis ou à caneta.
Queria, e não queria. Por outro lado é bom, não estar mais na quinta série.