sábado, 11 de outubro de 2008

uma coisa romântica

Uma coisa romântica é ler os livros que ele deixou, e sublinhar as passagens mais belas, sabendo que ele procurará os sublinhados e os lerá com curiosidade, e que aqueles traços meus ficarão lá nos livros que são dele, para sempre.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

vida adulta

Dentre os inúmeros mistérios da existência há aquele das pessoas que reclamam da vida adulta. Reclamam e lembram com saudade e nostalgia de quando eram adolescentes ou ( mistério maior ainda) crianças. São adultos que vivem em função de um futuro e na lembrança de um passado onde supostamente eram mais livres, mais belos, mais saudáveis, mais felizes. Para esses, a vida adulta parece ser um acúmulo de responsabilidades sem fim, de obrigações sem sentido, uma vida chata, sem surpresas, sem novos amigos, sem novidades. Mistério mistério.
Não há liberdade maior do que ser adulto, ter a própria casa, o próprio dinheiro, mesmo que pouco, poder ir e vir sem ter que dar satisfações, saber daquilo que gostamos e não gostamos na cama ( na cozinha, no banheiro...) , poder se arriscar e curtir o mundo, sendo donos de nós mesmos. Na vida adulta somos aquilo que escolhemos ser, temos escolha, temos liberdade. basta se abrir para o mundo, ter coragem e sair por aí. Eu, depois dos trinta, fui ficando cada vez mais bonita, cada vez mais livre, cada vez mais segura e cada vez mais corajosa. O futuro não me assusta nem me prende. Tenho a vida que escolhi e gosto muito dela, e assim que devia ser. É muito misterioso para mim quem constrói uma vida da qual não gosta, em nome de filhos, família, casa própria ou sei lá mais o quê. A vida dulta deveria ser vivida como a vida inteira, dia após dia, com alegria e inteireza. Sim, dá pra fazer amigos, descobrir a si mesmo, apaixonar-se, ficar, transar, curtir, sonhar, querer fazer revoluções e se surpreender na vida adulta. E tudo isso fica só mais legal.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O Casamento e a Cidade

Reparei que o filme Sex and the city chegou nas locadoras. Para mim, que ando na idade das pedras e não tenho tevê, devedê, nem tevê a cabo é totalmente indiferente, mas serve de pretexto para a escrita sobre o filme, ou... sobre como a busca de sexo e curtição na cidade vira a busca frenética do casamento.

Quando a série estreou, acho que no raiar deste novíssimo século, apresentava-se como algo novo e disruptor daquilo que era usual em séries de personagens femininas. Era uma série sobre mulheres na casa dos trista anos, que curtiam suas amizades e vidas. Belas, estilosas, bem sucedidas e que gostavam - olha só! todos pareciam dizer... - de sexo, e praticavam sexo, com arte, regularidade, e - olha só! todos pareciam dizer... - diferentes parceiros.
Então uma trabalhava em uma galeria de arte, outra era uma badalada produtora de eventos, outra uma super advogada e havia até uma escritora, com direito a uma coluna semanal sobre sexo e a cidade, que dava o eixo da trama. Eu me identifiquei, minhas amigas se identificaram, todo mundo se identificou: mulheres solteiras e de bem com a vida, procurando alguém mas procurando, principalmente, se divertir, procurando caminhos para a sua sexualidade, se metendo em roubadas, acertando e errando por aí, curtindo a cidade, curtindo e cuidando de si, se vestindo de maneira sexy e bem à beça.

Houve quem criticasse desde o início a maneira um tanto superficial como as meninas lidavam com a vida, seu apego exagerado a sapatos e roupas de grife, à imagem em geral, o fato de que a escritora não lia livro algum e uma certa compulsão por homens e sexo e consumo. Ok, mas tudo bem, a séria podia até ser um pouco chata mesmo, mas a idéia de mulheres independentes e livres, fazendo sexo pela cidade, como homens, gozando e se divertindo, usando roupas bárbaras e se dando bem em seus trabalhos era interessante e sim, tinha seu toque libertador.

O final da série já havia sido assustador: a advogada, ex-solteira convicta, casara e se mudara para o Brooklin. Vende seu super apartamento em Manhatan e termina a série numa casa distante das amigas, da badalação, trocando as fraldas do filho e dando banho na sogra já velha e doente, que veio morar com eles.
A galerista pedira demissão, deixara de trabalhar, vivia no apartamento conquistado no primeiro casamento ( mal sucedido - terror dos terrores!) , e graças aos deuses e a uma conversão ao judaísmo casara-se novamente e agora concentrava-se na tentativa de adotar uma criancinha, já que não conseguia ter filhos.
Samantha, talvez a mais liberada sexualmente de todas, tivera câncer e percebe como um parceiro é importante , o mocinho lindo a acompanha durante todo o processo, pega na mão dela, e ela acaba casando também, agradecida e feliz, resolve se dedicar ao moço e à carreira do rapaz.
A escritora não casa, mas quer muito muito casar e, saída de uma relação roubada , volta a procurar o homem da sua vida, apelidado de Mr Big. ( ...)

Fui ver o filme. O que teria acontecido com as meninas? Qual a nova trama? qual o enredo principal?

Bem o filme da série sexo na cidade deveria se chamar "casamento na cidade".
a trama inteira desenrola-se sobre a questão do casamento. O da advogada está em crise e ela depara-se com uma traição do marido. O da produtora de eventos que abandonou sua vida e carreira para cuidar da vida e carreira do menino, também está em crise ( surprise, surprise...). O da outra que abandonou sua carreira para cuidar da casa e da chinesinha ( que apesar de já ter lá sua idade não profere uma palavra no filme inteiro e aparece retratada como uma pequena débilmentalzinha) está ótimo, obrigado e ... last but not least, a escritora reatou com o Mr Big, os dois estão felizes e então... vamos casar. O filme então começa a partir daí, uns casamentos se desmontando, e a outra pirando no casamento dela, com direito a cenas intermináveis de procura de vestidos e conflitos em volta de sapatos, além da questão material de que o casamento assegura, para a mulher, que todos os bens serão divididos no final, se o horror acontecer e aquele bandido te trocar por outra mais magra e mais nova.


O que as mulheres querem, afinal, é casar.

E há amigas minhas que argumentaram que Samantha termina sozinha e feliz, e larga o casamento que a havia engordado e feito dela uma mulher frustrada. Uma pergunta paira no ar: por que uma relação que antes do casamento era aberta e livre torna-se, depois do casamento, uma relação monogâmica, onde a mulher tem que abdicar da sua vida para cuidar da vida do marido? Se a Samantha era uma mulher tão bem resolvida com sua sexualidade e ideais de vida, porque ela não poderia criar uma nova forma de estar junto com alguém, numa relação de companheirismo e igualdade e aberta a experiências sexuais com outras pessoas?Porque ela tem a imbecil idéia de que casar é cuidar do outro e abdicar da própria vida, da própria carreira e da cidade que ama?
Porque casamento é casamento, é casamento, e a uma mulher como Samantha- que quer viver sua sexualidade de maneria aberta e livre - resta ficar sozinha.
A advogada rompe com o marido traidor, volta a morar sozinha, volta para Manhatan, acaba morando em chinatown e em uma cena patética, sai desesperada pelo bairro à procura de alguma pessoa branca (sério).
A do casamento feliz continua feliz, em nenhum momento sente falta de seu trabalho ou da sua vida pessoal e ainda por cima engravida de verdade e terá um filho realmente seu, para fazer companhia à chinesinha bonitinha e mudinha.
E a escritora... a escritora convence o cara a casar mas se deslumbra com o evento casamento, quer algo grande arrebatador, acaba intimidando o homem apaixonado, que fica acreditando que o casamento mata o amor. Mas a ilusão é passageira, um não vive sem o outro e ao final, sim! eles se casam, colocam alianças numa cerimônia discreta e ao final, os três casais e a amiga solteira e já magra tomam brunch regado a sucos ( cadê os cosmopolitans? eu perguntei, numa útima esperança...) e crianças berrando à mesa. Uma mesa feliz.

A certa altura do filme, Carrie está contando uma história de conto de fadas para a menininha chinesa. A história termina com a princesa encontrando ou sendo encontrada pelo príncipe e vivendo finalmente feliz para sempre. É aqui - eu pensei- aqui que vai haver a crítica, por que a felicidade, desde a mais tenra infãncia, significa encontrar o príncipe encantado com quem finalmente nos realizaremos e asseguraremos a felicidade eterna? Que nada. Após ler a história, Carrie vai atrás do seu príncipe, revê tudo e decide que o importante mesmo é casar, e não a festa. Mais madura, segura de si, vai lá e casa.


Eu não tenho nada contra casamento. É uma delícia e maravilha a gente ter alguém que testemunhe nossa existência com olhar apaixonado, é ótimo ter alguém que segura a nossa mão se estamos doentes, ter filhos e fazer um pacto de existência e companheirismo, de cumplicidade profunda, com uma pessoa que amamos é realmente muito bacana e dá significado à existência. O amor é lindo, all you need is love e tudo mais.
Mas...
por que uma série sobre mulheres livres, sobre sexo na vida de mulheres solteiras e bem sucedidas, seguras de si e poderosas, termina sendo uma série sobre a procura do casamento? Por que os casamentos são do modelo mais antigo e careta possível, significando pactos eternos de fidelidade, sacrifícios da carreira ( no caso das mulheres), abdicação, aliança e papel? Por que o enredo do conto de fadas não muda?
O significado da existência não pode ser inventado, não pode acontecer na solterice, os pactos não podem ser recriados.

Ok, é só uma série, mainstream. Uma série mainstream e , no final das contas, careta até o último fio de cabelo.