Quando a série estreou, acho que no raiar deste novíssimo século, apresentava-se como algo novo e disruptor daquilo que era usual em séries de personagens femininas. Era uma série sobre mulheres na casa dos trista anos, que curtiam suas amizades e vidas. Belas, estilosas, bem sucedidas e que gostavam - olha só! todos pareciam dizer... - de sexo, e praticavam sexo, com arte, regularidade, e - olha só! todos pareciam dizer... - diferentes parceiros.
Então uma trabalhava em uma galeria de arte, outra era uma badalada produtora de eventos, outra uma super advogada e havia até uma escritora, com direito a uma coluna semanal sobre sexo e a cidade, que dava o eixo da trama. Eu me identifiquei, minhas amigas se identificaram, todo mundo se identificou: mulheres solteiras e de bem com a vida, procurando alguém mas procurando, principalmente, se divertir, procurando caminhos para a sua sexualidade, se metendo em roubadas, acertando e errando por aí, curtindo a cidade, curtindo e cuidando de si, se vestindo de maneira sexy e bem à beça.

Houve quem criticasse desde o início a maneira um tanto superficial como as meninas lidavam com a vida, seu apego exagerado a sapatos e roupas de grife, à imagem em geral, o fato de que a escritora não lia livro algum e uma certa compulsão por homens e sexo e consumo. Ok, mas tudo bem, a séria podia até ser um pouco chata mesmo, mas a idéia de mulheres independentes e livres, fazendo sexo pela cidade, como homens, gozando e se divertindo, usando roupas bárbaras e se dando bem em seus trabalhos era interessante e sim, tinha seu toque libertador.
O final da série já havia sido assustador: a advogada, ex-solteira convicta, casara e se mudara para o Brooklin. Vende seu super apartamento em Manhatan e termina a série numa casa distante das amigas, da badalação, trocando as fraldas do filho e dando banho na sogra já velha e doente, que veio morar com eles.
A galerista pedira demissão, deixara de trabalhar, vivia no apartamento conquistado no primeiro casamento ( mal sucedido - terror dos terrores!) , e graças aos deuses e a uma conversão ao judaísmo casara-se novamente e agora concentrava-se na tentativa de adotar uma criancinha, já que não conseguia ter filhos.
Samantha, talvez a mais liberada sexualmente de todas, tivera câncer e percebe como um parceiro é importante , o mocinho lindo a acompanha durante todo o processo, pega na mão dela, e ela acaba casando também, agradecida e feliz, resolve se dedicar ao moço e à carreira do rapaz.
A escritora não casa, mas quer muito muito casar e, saída de uma relação roubada , volta a procurar o homem da sua vida, apelidado de Mr Big. ( ...)
Fui ver o filme. O que teria acontecido com as meninas? Qual a nova trama? qual o enredo principal?
Bem o filme da série sexo na cidade deveria se chamar "casamento na cidade".
a trama inteira desenrola-se sobre a questão do casamento. O da advogada está em crise e ela depara-se com uma traição do marido. O da produtora de eventos que abandonou sua vida e carreira para cuidar da vida e carreira do menino, também está em crise ( surprise, surprise...). O da outra que abandonou sua carreira para cuidar da casa e da chinesinha ( que apesar de já ter lá sua idade não profere uma palavra no filme inteiro e aparece retratada como uma pequena débilmentalzinha) está ótimo, obrigado e ... last but not least, a escritora reatou com o Mr Big, os dois estão felizes e então... vamos casar. O filme então começa a partir daí, uns casamentos se desmontando, e a outra pirando no casamento dela, com direito a cenas intermináveis de procura de vestidos e conflitos em volta de sapatos, além da questão material de que o casamento assegura, para a mulher, que todos os bens serão divididos no final, se o horror acontecer e aquele bandido te trocar por outra mais magra e mais nova.
O que as mulheres querem, afinal, é casar.
E há amigas minhas que argumentaram que Samantha termina sozinha e feliz, e larga o casamento que a havia engordado e feito dela uma mulher frustrada. Uma pergunta paira no ar: por que uma relação que antes do casamento era aberta e livre torna-se, depois do casamento, uma relação monogâmica, onde a mulher tem que abdicar da sua vida para cuidar da vida do marido? Se a Samantha era uma mulher tão bem resolvida com sua sexualidade e ideais de vida, porque ela não poderia criar uma nova forma de estar junto com alguém, numa relação de companheirismo e igualdade e aberta a experiências sexuais com outras pessoas?Porque ela tem a imbecil idéia de que casar é cuidar do outro e abdicar da própria vida, da própria carreira e da cidade que ama?
Porque casamento é casamento, é casamento, e a uma mulher como Samantha- que quer viver sua sexualidade de maneria aberta e livre - resta ficar sozinha.
A advogada rompe com o marido traidor, volta a morar sozinha, volta para Manhatan, acaba morando em chinatown e em uma cena patética, sai desesperada pelo bairro à procura de alguma pessoa branca (sério).
A do casamento feliz continua feliz, em nenhum momento sente falta de seu trabalho ou da sua vida pessoal e ainda por cima engravida de verdade e terá um filho realmente seu, para fazer companhia à chinesinha bonitinha e mudinha.
E a escritora... a escritora convence o cara a casar mas se deslumbra com o evento casamento, quer algo grande arrebatador, acaba intimidando o homem apaixonado, que fica acreditando que o casamento mata o amor. Mas a ilusão é passageira, um não vive sem o outro e ao final, sim! eles se casam, colocam alianças numa cerimônia discreta e ao final, os três casais e a amiga solteira e já magra tomam brunch regado a sucos ( cadê os cosmopolitans? eu perguntei, numa útima esperança...) e crianças berrando à mesa. Uma mesa feliz.
A certa altura do filme, Carrie está contando uma história de conto de fadas para a menininha chinesa. A história termina com a princesa encontrando ou sendo encontrada pelo príncipe e vivendo finalmente feliz para sempre. É aqui - eu pensei- aqui que vai haver a crítica, por que a felicidade, desde a mais tenra infãncia, significa encontrar o príncipe encantado com quem finalmente nos realizaremos e asseguraremos a felicidade eterna? Que nada. Após ler a história, Carrie vai atrás do seu príncipe, revê tudo e decide que o importante mesmo é casar, e não a festa. Mais madura, segura de si, vai lá e casa.

Eu não tenho nada contra casamento. É uma delícia e maravilha a gente ter alguém que testemunhe nossa existência com olhar apaixonado, é ótimo ter alguém que segura a nossa mão se estamos doentes, ter filhos e fazer um pacto de existência e companheirismo, de cumplicidade profunda, com uma pessoa que amamos é realmente muito bacana e dá significado à existência. O amor é lindo, all you need is love e tudo mais.
Mas...
por que uma série sobre mulheres livres, sobre sexo na vida de mulheres solteiras e bem sucedidas, seguras de si e poderosas, termina sendo uma série sobre a procura do casamento? Por que os casamentos são do modelo mais antigo e careta possível, significando pactos eternos de fidelidade, sacrifícios da carreira ( no caso das mulheres), abdicação, aliança e papel? Por que o enredo do conto de fadas não muda?
O significado da existência não pode ser inventado, não pode acontecer na solterice, os pactos não podem ser recriados.

Ok, é só uma série, mainstream. Uma série mainstream e , no final das contas, careta até o último fio de cabelo.
12 comentários:
Oi, Lu,
Que bom que voltou, que bom!
Muito feliz me sinto com este retorno, saber que você esta bem me faz bem e espero que agora escreva sempre hein?
Eu mergulhei de vez em meus dilemas espirituais e espero que uma pessoa melhor venha a tona no fim disso tudo.
Nossa! sem palavras pra dizer como é bom ler estes textos que você escreve.
1 Beijo
davi
Muito show seu texto...
te conheci lá do LLL...
gostei muito do blog...
quando puder gostaria muito que fosse no meu blog...
www.prolixo.com
Miranda,
percebi que vc anda intenso. Bom mesmo voltar, aos pouco e devagarinho...
beijo .
l
prolixo lacônico,
sim, olharei seu blog! Obrigada pela visita!
nossa, concordo totalmente com você. é deprê o filme, é bobo, é mais opressor do que libertador. boa análise. beijo!
Poxa, você existe mesmo? rsrrsrs.
Faz um tempo que leio o LLL e nunca tive a coragem de comentar nada, mas depois desse post...
Quanto mais os discursos, livros e filmes tentam argumentar sobre a questão da liberdade feminina mais atolam na lama.Sempre tem um porém escondindo nas entre linhas.
Um verdadeiro desastre, creio mesmo é que a sociedade tal qual a conhecemos esta tentando nos acalmar, nos dar um cala boca para que freemos a nossa coragem de quebrar com o que nos é imposto desde que ganhamos a primeira boneca que faz xixi ou a panelinha, ou ainda quando adolescentes ficamos sabendo que "sexo só com amor de príncipe encantado" e numa tentativa de cala a boca enfia todo esse material guela abaixo para as mais distraidas serem catequizadas e acreditarem que as coisas estão mudando.Sim estão mudando a duras penas, sacrificios e trabalhos dignos de Hercules em uma luta diária de imposição sendo então o final uma ida ao cinema para ver Sexy and city? Realmente Arg! Isso põe tudo a perder se as pessoas sairem acreditando que isso é a vida ideal.Pior tem gente que acredita... A propósito minhas amigas me acham um et porque não gosto da série rsrrs. Não gosto e ponto final e acho os sapos muito mais interessantes. Beijão.
Lulu, vc tem razão de cima abaixo no seu comentário sobre o filme, mas sinceramente, eu não me espantei, não esperava mais... A série já era assim... o filme é somente aquelas idéias todas levadas as últimas consequencias e ainda com a obrigação de entreter e fazer com que os "não fãs" da série, gostassem do filme.
Como sempre vc arrasou!
beijos e saudades
Fa
oi Lulu!
quer dizer que é por aqui que vc anda se escondendo, né?
q bom q eu te achei, então...
ah! e vc sabe bem q eu apóio demais essa campanha contra a caretice horrorosa q impera nos relacionamentos, certo?
mas, da Sex and The City eu não esperava nada diferente mesmo... besta é quem acredita que qualquer coisa na TV possa ser não-careta!
hahahahaha.
beijos,
assisti a alguns episódios da série q já me irritaram bastante. as mulheres são estereótipadas demais, a série já é tão machista que não quis ver o filme de jeito nenhum. a carrie especialmente tem todas as neuras que a minha vó católica teria vivendo em NY hoje.
recentemente, estava zapeando e no multishow tava passando a seguinte cena (juro):
a miranda na cama com um cara. ele começa a beijar as suas costas, ela deita de barriga pra baixo dizendo, ai, tou suada, e ele responde, q isso, adoro seu gosto, e vai descendo, beijando, e a câmera focaliza a cara dela com um sorrizinho, até q uma hora de repente ela arregala os olhos e faz uma cara de Q, assustada. Corta e aparece ela com as 3 amigas comendo numa mesa de restaurante. Ela comenta com as amigas o absurdo dos absurdos - gente, vocês não imaginam ONDE o fulano de tal me beijou ontem quando transávamos! a câmera focaliza a carrie quando a miranda fala: a carrie que está comendo larga os talheres e pára tudo com a maior cara de horrorizada.
francamente...
francamente!!!!!!
Tb não gosto da ideia do filme, mas vai muito alem da questão do casamento como o princiapl objetivo na vida de uma mulher. O filme é uma ode ao consumo. Vc diz: "por que uma série sobre mulheres livres, sobre sexo na vida de mulheres solteiras e bem sucedidas, seguras de si e poderosas, termina sendo uma série sobre a procura do casamento?"
Desde quando elas eram livres? Escravas do consumo! Bem sucedidas? Porque tem carreiras consideradas maravilhosas (isso é que é total mainstream hoje!) e tem grana pra viver em manhatan?
Além disso é um fiilme repleto de preconceito, vc mesma fez até mençao a uma situação.
Entendi seu foco na questão do casamento, mas vejo muitoo mais coisas podres nesse filme...
concordo, absolutamente!
Me perdoeem a desinformação, mas conheço essa série só de nome, quem escreveu os espisódios e o filme? Um homem?
Os homens sempre pensam que o objetivo de toda a mulher é casar e mesmo as que são aparentemente felizes na sua solterisse, estão na verdade em busca do casamento.
As mulheres acabam acreditando...
Eu adorava ser solteira e nem pensava em casar. Só casei porque encontrei alguém que valeu a pena. Mas nesse caso o casamento foi apenas uma forma de viver o relacionamento mais plenamente, e não o grande objetivo a ser alcançado. E não abri mão do que eu era, apenas acrescentei mais coisas a minha lista: profissional, estudante, esposa, mãe, etc...
Casamento não é prisão, pois as pessoas estão livres para desfazê-lo quando bem entenderem.
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