sexta-feira, 3 de outubro de 2008

O Casamento e a Cidade

Reparei que o filme Sex and the city chegou nas locadoras. Para mim, que ando na idade das pedras e não tenho tevê, devedê, nem tevê a cabo é totalmente indiferente, mas serve de pretexto para a escrita sobre o filme, ou... sobre como a busca de sexo e curtição na cidade vira a busca frenética do casamento.

Quando a série estreou, acho que no raiar deste novíssimo século, apresentava-se como algo novo e disruptor daquilo que era usual em séries de personagens femininas. Era uma série sobre mulheres na casa dos trista anos, que curtiam suas amizades e vidas. Belas, estilosas, bem sucedidas e que gostavam - olha só! todos pareciam dizer... - de sexo, e praticavam sexo, com arte, regularidade, e - olha só! todos pareciam dizer... - diferentes parceiros.
Então uma trabalhava em uma galeria de arte, outra era uma badalada produtora de eventos, outra uma super advogada e havia até uma escritora, com direito a uma coluna semanal sobre sexo e a cidade, que dava o eixo da trama. Eu me identifiquei, minhas amigas se identificaram, todo mundo se identificou: mulheres solteiras e de bem com a vida, procurando alguém mas procurando, principalmente, se divertir, procurando caminhos para a sua sexualidade, se metendo em roubadas, acertando e errando por aí, curtindo a cidade, curtindo e cuidando de si, se vestindo de maneira sexy e bem à beça.

Houve quem criticasse desde o início a maneira um tanto superficial como as meninas lidavam com a vida, seu apego exagerado a sapatos e roupas de grife, à imagem em geral, o fato de que a escritora não lia livro algum e uma certa compulsão por homens e sexo e consumo. Ok, mas tudo bem, a séria podia até ser um pouco chata mesmo, mas a idéia de mulheres independentes e livres, fazendo sexo pela cidade, como homens, gozando e se divertindo, usando roupas bárbaras e se dando bem em seus trabalhos era interessante e sim, tinha seu toque libertador.

O final da série já havia sido assustador: a advogada, ex-solteira convicta, casara e se mudara para o Brooklin. Vende seu super apartamento em Manhatan e termina a série numa casa distante das amigas, da badalação, trocando as fraldas do filho e dando banho na sogra já velha e doente, que veio morar com eles.
A galerista pedira demissão, deixara de trabalhar, vivia no apartamento conquistado no primeiro casamento ( mal sucedido - terror dos terrores!) , e graças aos deuses e a uma conversão ao judaísmo casara-se novamente e agora concentrava-se na tentativa de adotar uma criancinha, já que não conseguia ter filhos.
Samantha, talvez a mais liberada sexualmente de todas, tivera câncer e percebe como um parceiro é importante , o mocinho lindo a acompanha durante todo o processo, pega na mão dela, e ela acaba casando também, agradecida e feliz, resolve se dedicar ao moço e à carreira do rapaz.
A escritora não casa, mas quer muito muito casar e, saída de uma relação roubada , volta a procurar o homem da sua vida, apelidado de Mr Big. ( ...)

Fui ver o filme. O que teria acontecido com as meninas? Qual a nova trama? qual o enredo principal?

Bem o filme da série sexo na cidade deveria se chamar "casamento na cidade".
a trama inteira desenrola-se sobre a questão do casamento. O da advogada está em crise e ela depara-se com uma traição do marido. O da produtora de eventos que abandonou sua vida e carreira para cuidar da vida e carreira do menino, também está em crise ( surprise, surprise...). O da outra que abandonou sua carreira para cuidar da casa e da chinesinha ( que apesar de já ter lá sua idade não profere uma palavra no filme inteiro e aparece retratada como uma pequena débilmentalzinha) está ótimo, obrigado e ... last but not least, a escritora reatou com o Mr Big, os dois estão felizes e então... vamos casar. O filme então começa a partir daí, uns casamentos se desmontando, e a outra pirando no casamento dela, com direito a cenas intermináveis de procura de vestidos e conflitos em volta de sapatos, além da questão material de que o casamento assegura, para a mulher, que todos os bens serão divididos no final, se o horror acontecer e aquele bandido te trocar por outra mais magra e mais nova.


O que as mulheres querem, afinal, é casar.

E há amigas minhas que argumentaram que Samantha termina sozinha e feliz, e larga o casamento que a havia engordado e feito dela uma mulher frustrada. Uma pergunta paira no ar: por que uma relação que antes do casamento era aberta e livre torna-se, depois do casamento, uma relação monogâmica, onde a mulher tem que abdicar da sua vida para cuidar da vida do marido? Se a Samantha era uma mulher tão bem resolvida com sua sexualidade e ideais de vida, porque ela não poderia criar uma nova forma de estar junto com alguém, numa relação de companheirismo e igualdade e aberta a experiências sexuais com outras pessoas?Porque ela tem a imbecil idéia de que casar é cuidar do outro e abdicar da própria vida, da própria carreira e da cidade que ama?
Porque casamento é casamento, é casamento, e a uma mulher como Samantha- que quer viver sua sexualidade de maneria aberta e livre - resta ficar sozinha.
A advogada rompe com o marido traidor, volta a morar sozinha, volta para Manhatan, acaba morando em chinatown e em uma cena patética, sai desesperada pelo bairro à procura de alguma pessoa branca (sério).
A do casamento feliz continua feliz, em nenhum momento sente falta de seu trabalho ou da sua vida pessoal e ainda por cima engravida de verdade e terá um filho realmente seu, para fazer companhia à chinesinha bonitinha e mudinha.
E a escritora... a escritora convence o cara a casar mas se deslumbra com o evento casamento, quer algo grande arrebatador, acaba intimidando o homem apaixonado, que fica acreditando que o casamento mata o amor. Mas a ilusão é passageira, um não vive sem o outro e ao final, sim! eles se casam, colocam alianças numa cerimônia discreta e ao final, os três casais e a amiga solteira e já magra tomam brunch regado a sucos ( cadê os cosmopolitans? eu perguntei, numa útima esperança...) e crianças berrando à mesa. Uma mesa feliz.

A certa altura do filme, Carrie está contando uma história de conto de fadas para a menininha chinesa. A história termina com a princesa encontrando ou sendo encontrada pelo príncipe e vivendo finalmente feliz para sempre. É aqui - eu pensei- aqui que vai haver a crítica, por que a felicidade, desde a mais tenra infãncia, significa encontrar o príncipe encantado com quem finalmente nos realizaremos e asseguraremos a felicidade eterna? Que nada. Após ler a história, Carrie vai atrás do seu príncipe, revê tudo e decide que o importante mesmo é casar, e não a festa. Mais madura, segura de si, vai lá e casa.


Eu não tenho nada contra casamento. É uma delícia e maravilha a gente ter alguém que testemunhe nossa existência com olhar apaixonado, é ótimo ter alguém que segura a nossa mão se estamos doentes, ter filhos e fazer um pacto de existência e companheirismo, de cumplicidade profunda, com uma pessoa que amamos é realmente muito bacana e dá significado à existência. O amor é lindo, all you need is love e tudo mais.
Mas...
por que uma série sobre mulheres livres, sobre sexo na vida de mulheres solteiras e bem sucedidas, seguras de si e poderosas, termina sendo uma série sobre a procura do casamento? Por que os casamentos são do modelo mais antigo e careta possível, significando pactos eternos de fidelidade, sacrifícios da carreira ( no caso das mulheres), abdicação, aliança e papel? Por que o enredo do conto de fadas não muda?
O significado da existência não pode ser inventado, não pode acontecer na solterice, os pactos não podem ser recriados.

Ok, é só uma série, mainstream. Uma série mainstream e , no final das contas, careta até o último fio de cabelo.

12 comentários:

www.mirandaocorretor.blogspot.com disse...

Oi, Lu,

Que bom que voltou, que bom!

Muito feliz me sinto com este retorno, saber que você esta bem me faz bem e espero que agora escreva sempre hein?

Eu mergulhei de vez em meus dilemas espirituais e espero que uma pessoa melhor venha a tona no fim disso tudo.

Nossa! sem palavras pra dizer como é bom ler estes textos que você escreve.

1 Beijo
davi

Provisório disse...

Muito show seu texto...
te conheci lá do LLL...
gostei muito do blog...

quando puder gostaria muito que fosse no meu blog...
www.prolixo.com

l disse...

Miranda,
percebi que vc anda intenso. Bom mesmo voltar, aos pouco e devagarinho...
beijo .
l

prolixo lacônico,
sim, olharei seu blog! Obrigada pela visita!

Simone Iwasso disse...

nossa, concordo totalmente com você. é deprê o filme, é bobo, é mais opressor do que libertador. boa análise. beijo!

Vampira Dea disse...

Poxa, você existe mesmo? rsrrsrs.
Faz um tempo que leio o LLL e nunca tive a coragem de comentar nada, mas depois desse post...
Quanto mais os discursos, livros e filmes tentam argumentar sobre a questão da liberdade feminina mais atolam na lama.Sempre tem um porém escondindo nas entre linhas.
Um verdadeiro desastre, creio mesmo é que a sociedade tal qual a conhecemos esta tentando nos acalmar, nos dar um cala boca para que freemos a nossa coragem de quebrar com o que nos é imposto desde que ganhamos a primeira boneca que faz xixi ou a panelinha, ou ainda quando adolescentes ficamos sabendo que "sexo só com amor de príncipe encantado" e numa tentativa de cala a boca enfia todo esse material guela abaixo para as mais distraidas serem catequizadas e acreditarem que as coisas estão mudando.Sim estão mudando a duras penas, sacrificios e trabalhos dignos de Hercules em uma luta diária de imposição sendo então o final uma ida ao cinema para ver Sexy and city? Realmente Arg! Isso põe tudo a perder se as pessoas sairem acreditando que isso é a vida ideal.Pior tem gente que acredita... A propósito minhas amigas me acham um et porque não gosto da série rsrrs. Não gosto e ponto final e acho os sapos muito mais interessantes. Beijão.

Contemporânea I disse...

Lulu, vc tem razão de cima abaixo no seu comentário sobre o filme, mas sinceramente, eu não me espantei, não esperava mais... A série já era assim... o filme é somente aquelas idéias todas levadas as últimas consequencias e ainda com a obrigação de entreter e fazer com que os "não fãs" da série, gostassem do filme.
Como sempre vc arrasou!
beijos e saudades
Fa

dra disse...

oi Lulu!
quer dizer que é por aqui que vc anda se escondendo, né?
q bom q eu te achei, então...
ah! e vc sabe bem q eu apóio demais essa campanha contra a caretice horrorosa q impera nos relacionamentos, certo?
mas, da Sex and The City eu não esperava nada diferente mesmo... besta é quem acredita que qualquer coisa na TV possa ser não-careta!
hahahahaha.
beijos,

lu disse...

assisti a alguns episódios da série q já me irritaram bastante. as mulheres são estereótipadas demais, a série já é tão machista que não quis ver o filme de jeito nenhum. a carrie especialmente tem todas as neuras que a minha vó católica teria vivendo em NY hoje.

recentemente, estava zapeando e no multishow tava passando a seguinte cena (juro):
a miranda na cama com um cara. ele começa a beijar as suas costas, ela deita de barriga pra baixo dizendo, ai, tou suada, e ele responde, q isso, adoro seu gosto, e vai descendo, beijando, e a câmera focaliza a cara dela com um sorrizinho, até q uma hora de repente ela arregala os olhos e faz uma cara de Q, assustada. Corta e aparece ela com as 3 amigas comendo numa mesa de restaurante. Ela comenta com as amigas o absurdo dos absurdos - gente, vocês não imaginam ONDE o fulano de tal me beijou ontem quando transávamos! a câmera focaliza a carrie quando a miranda fala: a carrie que está comendo larga os talheres e pára tudo com a maior cara de horrorizada.
francamente...

Contemporânea I disse...

francamente!!!!!!

Renata disse...

Tb não gosto da ideia do filme, mas vai muito alem da questão do casamento como o princiapl objetivo na vida de uma mulher. O filme é uma ode ao consumo. Vc diz: "por que uma série sobre mulheres livres, sobre sexo na vida de mulheres solteiras e bem sucedidas, seguras de si e poderosas, termina sendo uma série sobre a procura do casamento?"
Desde quando elas eram livres? Escravas do consumo! Bem sucedidas? Porque tem carreiras consideradas maravilhosas (isso é que é total mainstream hoje!) e tem grana pra viver em manhatan?
Além disso é um fiilme repleto de preconceito, vc mesma fez até mençao a uma situação.
Entendi seu foco na questão do casamento, mas vejo muitoo mais coisas podres nesse filme...

J. disse...

concordo, absolutamente!

Liana disse...

Me perdoeem a desinformação, mas conheço essa série só de nome, quem escreveu os espisódios e o filme? Um homem?
Os homens sempre pensam que o objetivo de toda a mulher é casar e mesmo as que são aparentemente felizes na sua solterisse, estão na verdade em busca do casamento.
As mulheres acabam acreditando...
Eu adorava ser solteira e nem pensava em casar. Só casei porque encontrei alguém que valeu a pena. Mas nesse caso o casamento foi apenas uma forma de viver o relacionamento mais plenamente, e não o grande objetivo a ser alcançado. E não abri mão do que eu era, apenas acrescentei mais coisas a minha lista: profissional, estudante, esposa, mãe, etc...
Casamento não é prisão, pois as pessoas estão livres para desfazê-lo quando bem entenderem.